Factfulness

Factfulness

Factfulness é a ideia que o mundo não é tão dramático quanto a gente tende a pensar. É admitir que apesar de muitas pessoas ainda sofrerem problemas sérios, temos tido avanços significativos.

Isso não é achismo. Isso é fato.

Segundo o autor, o Dr. Hans Rosling, temos uma visão de mundo errada principalmente por causa dos instintos dramáticos. É parte de como nosso cérebro funciona – tomamos decisões sem muita análise, o que acaba resultando em conclusões equivocadas.

Quem leu Rápido e Devagar e/ou conhece os vieses cognitivos sabe bem do que se trata.

Ao longo do livro, Hans nos mostra 10 desses instintos e como controlá-los.

Aqui vai um resumo de cada um deles.

1. Instinto de separação

Consiste em dividir pessoas, países ou coisas em apenas dois grupos distintos, como se entre essas duas categorias houvesse uma enorme lacuna.

É como achar que a população do mundo estivesse dividida entre ricos é pobres — em que poucos são ricos e muitos são pobres. Como se não houvesse nada no meio.

Sendo que é justamente no meio que está a maioria das pessoas.

Enfim, é uma maneira preguiçosa de pensar. A realidade é muito mais complexa do que isso.

"A ideia de um mundo dividido com uma maioria presa ao sofrimento e à privação é uma ilusão. Uma absoluta concepção equivocada. Simplesmente errada."

Em vez de separar as pessoas entre ricos e pobres, faz mais sentido separar em quatro níveis de renda:

  • Nível 1: até $2 por dia
  • Nível 2: entre $2 e $8 por dia
  • Nível 3: entre $8 e $32 por dia
  • Nível 4: acima de $32
Número de pessoas por renda e região em 2017 e 2040. Imagem adaptada de Gapminder sob a licença Creative Commons Attribution Licence, baseada nos gráficos gratuitos disponíveis em www.gapminder.org.

2. Instinto de negatividade

Que tipo de notícia dá mais audiência: notícia boa ou notícia ruim? Definitivamente são as de natureza negativa.

O instinto de negatividade vem da percepção de que há mais coisas ruins do que boas acontecendo. Daí as pessoas concluem que o mundo está piorando.

No livro, dois bons exemplos que ilustram como o mundo está melhorando são os gráficos da taxa de extrema pobreza e da expectativa de vida média.

Veja como a parcela da população vivendo em extrema pobreza caiu de 78% em 1800 para 9% em 2022. E permanece em tendência de queda.

Parcela da humanidade vivendo com menos de US$ 2,15 por dia, ajustados pela inflação. Imagem adaptada de Gapminder sob a licença Creative Commons Attribution License, baseada no material educacional gratuito disponível em www.gapminder.org.

Agora vejamos a expectativa de vida, que de 1800 pra cá aumentou em 42 anos. Apesar de retrocessos causados por pandemia, guerra, fome etc., houve uma melhora significativa nessa estatística.

Expectativa de vida média da população mundial. Imagem adaptada de Gapminder sob a licença Creative Commons Attribution License, baseada no material educacional gratuito disponível em www.gapminder.org.
"Certamente não estou defendendo que devemos desviar nossa atenção dos problemas terríveis do mundo. Estou dizendo que as coisas podem ser ruins e melhores ao mesmo tempo."

3. Instinto da linha reta

Olhando o gráfico de crescimento populacional, é tentador achar que o número de pessoas no planeta vai continuar crescendo em linha reta.

Mas não é bem assim. Em algum momento a população mundial vai parar de crescer.

População mundial nos últimos séculos e previsão para os próximos anos. Imagem adaptada de Gapminder sob a licença Creative Commons Attribution License, baseada no material educacional gratuito disponível em www.gapminder.org.

Gráficos de curvas podem ter as mais diversas formas. Nem tudo que está crescendo em linha reta continuará crescendo em linha reta.

4. Instinto do medo

Para entender o instinto do medo, precisamos saber a diferença entre o que é assustador e o que é perigoso.

Eventos como ataques de tubarão ou acidentes aéreos chamam a atenção porque temos muito medo de passar por isso. E é justamente porque chamam a atenção que ganham grande destaque da mídia.

Aí a gente cria a visão distorcida de que o mundo é mais perigoso do que realmente é. Mas qual é o risco de essas coisas acontecerem? Muito pequeno.

Quedas de avião podem ser assustadoras, mas viajar de avião não é perigoso.

Fatalidades na aviação global por milhão de passageiros. Fonte: Our World in Data

5. Instinto de tamanho

Quando olhamos para o número de pessoas infectadas por determinada doença, o número de atingidos por desastres naturais ou algum outro dado triste como esses, é claro que ficamos impressionados quando os números são grandes.

Mas só olhar para um número isoladamente não é uma avaliação adequada do que ele realmente significa.

É importante colocar as coisas em proporção. Usando o exemplo da quantidade de pessoas afetadas por certa doença:

  • o número está aumentando ou diminuindo em relação a períodos anteriores?
  • para comparar esse número com outras regiões ou países, devemos usar taxas, como a incidência por 100 mil habitantes ou per capita (por pessoa)
  • vítimas famosas ou casos muito chocantes podem levar a conclusões enganosas sobre a dimensão daquele número.

Pode parecer insensível olhar para esses números dessa maneira, mas não é. O ponto é compreender se há ou não uma tendência na diminuição de vítimas.

6. Instinto de generalização

Generalizar é algo muito natural. É uma forma de categorizar as coisas, simplificar explicações, facilitar a estruturação de pensamentos etc.

O problema é fazer generalizações erradas.

Se você acha que a África é um continente em que todos os países são praticamente iguais e com a maioria esmagadora da população vivendo na miséria, veja no gráfico a seguir como essa visão é equivocada.

Gráfico de bolha de Expectativa de vida (em anos) por Renda em dólares americanos (PIB per capita) dos países da África em 2022. Cada bolha representa um país, e o tamanho de cada bolha é proporcional ao tamanho da população. Imagem: adaptada de https://www.gapminder.org/tools/
"Olhe para a Somália, Gana e Tunísia. Não faz sentido falar de 'países africanos' e 'os problemas da África'. Entretanto, as pessoas falam o tempo inteiro."

Daí a importância de questionar a categorização, ainda mais quando o grupo é muito grande. Não seria melhor pensar em subcategorias para representar melhor os grupos?

E quando já temos uma divisão em grupos, será que as categorias são apropriadas? Quais são as semelhanças entre os grupos? Quais são as diferenças?

7. Instinto de destino

O Brasil sempre vai ser um país atrasado.

Será mesmo?

Não somos a Suíça, mas tivemos avanços nos últimos anos, assim como Bangladesh, Botsuana, Irã...

É claro que ainda há muito que melhorar, mas a ideia aqui é mostrar que não existe país destinado a ser pobre, ou economicamente fechado ou regido para sempre pelos mesmos valores.

Pense na tecnologia. Os avanços acontecem constantemente, então é fácil observar as mudanças. Mas olhando para a sociedade, para a cultura e até para as religiões, as mudanças são mais lentas.

Mesmo que sejam lentas, são mudanças e estão acontecendo.

Outro exemplo são as reservas ambientais. Em 1990 apenas cerca de 9% da superfície terrestre era protegida. Hoje esse número já dobrou.

Área de proteção ambiental. Imagem adaptada de Gapminder sob a licença Creative Commons Attribution License, baseada no material educacional gratuito disponível em www.gapminder.org.

8. Instinto da perspectiva única

O mundo é complexo e está cheio de problemas complexos. Não podemos achar que uma única solução vai resolver todas as dificuldades que enfrentamos.

O instinto da perspectiva única é justamente essa preferência por ideias muito simples, seja para explicar um fenômeno ou para propor alguma resolução.

Você pode achar que o livre mercado é ótimo, mas será isso a solução para todas as questões?

Você pode achar que um Estado mais presente e com mais regulação é o ideal, mas será que isso basta e tudo está resolvido?

Este instinto tem bastante a ver com as visões ideológicas das pessoas. Isso faz dele ainda mais difícil de controlar, já que mexer com as convicções políticas de alguém é uma tarefa árdua.

Seja como for, a sugestão que fica é ter mais humildade. Aliás, o incentivo à humildade intelectual é uma das principais lições desse livro.

"(...) teste constantemente suas ideias favoritas em busca de pontos fracos. Tenha humildade em relação à extensão da sua proficiência. Tenha curiosidade em relação a novas informações que não se enquadram e a informações de outros campos de conhecimento. E, em vez de conversar apenas com pessoas que concordam com você, ou de reunir exemplos que se encaixam nas suas ideias, procure gente que traga contradições, que discorde e apresente ideias diferentes, como uma grande fonte para a compreensão do mundo."

9. Instinto de culpar

Mais um instinto que tem a ver com a simplificação das coisas. Ele nada mais é que atribuir a culpa de algo ruim a uma pessoa ou grupo.

Os acionistas da Petrobras são culpados pelo preço dos combustíveis?
Os empresários são culpados pelo aumento da inflação?
Os estrangeiros são culpados pelo aumento do desemprego?

O grande prejuízo em apontar vilões é que isso joga o foco em um culpado e esconde a variedade de razões que causam determinado problema.

Convém ter cuidado ao apontar heróis também. Às vezes o sujeito aparenta ser o "salvador da pátria", mas já havia fatores bons acontecendo antes de ele agir.

10. Instinto de urgência

Quando somos confrontados a tomar decisões do tipo "você precisa agir imediatamente ou será tarde demais", o instinto de urgência é disparado.

Em casos assim, não usamos bem o pensamento crítico. Diante de algo urgente, não temos tempo para raciocinar e acabamos tomando decisões ruins.

Por isso, é fundamental parar por um momento e analisar os dados disponíveis. Nem sempre um risco é tão alarmante quanto parece.

O autor fala bastante do exemplo da mudança climática. Apesar de ser um problema real e sério, há ativistas e líderes que fazem parecer que essa é a única questão com a qual devemos nos preocupar.

Pior são aqueles que vivem em países mais ricos e querem pressionar até os países mais pobres a zerar as emissões de carbono.

Para quem está no Nível 1, melhorar de vida (passar para o Nível 2) eventualmente significará maiores emissões de CO2. seria esse o maior dos problemas?

O Dr. Hans diz que dar acesso à eletricidade a 1 bilhão de pessoas que estão no Nível 1 "acrescentaria quase nada às emissões gerais". Os grandes emissores são os países mais ricos e eles é que "precisam começar a melhorar antes de desperdiçar tempo pressionando os demais".

Emissões de CO2 per capita. Fonte: Our World in Data

Factfulness entrou para a minha lista de livros favoritos porque explica como ver o mundo como ele realmente é.

São páginas que trazem esperança de dias mais promissores no futuro. Só não digo que é uma obra otimista porque o autor se diz um "possibilista", que é "alguém que não mantém esperanças se não houver razão para tanto e que não teme se não houver razão para tanto, alguém que constantemente resiste à visão de mundo excessivamente dramática."

Infelizmente o Dr. Hans já faleceu, mas os coautores Ola Rosling (filho) e Anna Rosling Rönnlund (nora), mantém a Fundação Gapminder com a missão de lutar contra a ignorância devastadora por meio de uma visão de mundo baseada em fatos que todos possam entender.

Recomendo conhecer esse trabalho! E recomendo ler o livro, é claro!

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