Iludidos pelo Acaso

Iludidos pelo Acaso

Traders lidam constantemente com condições de incerteza, mas será que conseguem separar o que é habilidade e o que é sorte nos resultados das suas operações? Iludidos pelo acaso oferece essa e outras reflexões sobre a aleatoriedade nos negócios e nas experiências pessoais.

Iludidos pelo Acaso é o primeiro livro da série de ensaios sobre a incerteza do trader matemático Nassim Nicholas Taleb. Também chamada de coleção Incerto, ela conta com obras já bastante conhecidas como A Lógica Cisne do Negro, Antifrágil e Arriscando a própria pele.

Nesse trabalho, o autor mostra como, em geral, não nos damos conta da forte presença da aleatoriedade em nossas vidas.

Taleb apresenta ideias, digamos, fora do senso comum, mas ótimas para desafiar as crenças dos leitores sobre risco, probabilidade, equívocos humanos e muito mais.

Para esta resenha, escolhi seis das mais interessantes, que você confere a seguir!

Habilidade ou acaso

É de se esperar que pessoas determinadas e competentes sejam bem-sucedidas em suas profissões, mas é um erro achar que toda pessoa que alcançou o sucesso tenha chegado nesse patamar devido a determinação e competência.

Precisamos considerar que a sorte — o acaso — também influencia o desempenho desses profissionais (em umas profissões mais e em outras menos).

Quanto mais incerteza estiver envolvida na atividade, maior será a influência do acaso. Se você está pensando que o trading se encaixa muito bem aqui, acertou!

Pois é, o fato de ter bons resultados não significa necessariamente que você é competente como trader. Pode ser que sim, mas também pode ser apenas que você esteja confundindo sorte com capacidade, sendo iludido ou iludida pelo acaso.

Histórias alternativas

Um contexto de incerteza é aquele em que é muito difícil prever o que vai acontecer a seguir.

Mas vamos tentar enxergar a incerteza de uma maneira diferente, por meio das chamadas histórias alternativas.

Taleb dá o exemplo da roleta-russa, um “jogo” em que a pessoa deve puxar o gatilho de um revólver com seis câmaras, em que há um cartucho em apenas uma delas. Se sobreviver, ganha uma boa quantia em dinheiro. Se tiver azar, perde a vida.

A probabilidade é de 1/6 de morrer e de 5/6 de vencer. Então, do ponto de vista das histórias alternativas, teríamos seis histórias possíveis. Cada uma tem a mesma probabilidade de acontecer, sendo cinco delas favoráveis e uma delas totalmente indesejável.

Dessa forma, podemos definir a incerteza como algo que tende a ocorrer no menor número de diferentes histórias alternativas.

Então suponha que um sujeito decide fazer a loucura de participar de um jogo desses e acaba saindo vitorioso. Aqui, a gente percebe que apenas uma das seis histórias possíveis foi observada na realidade.

Apesar de as outras cinco não serem observáveis, temos uma boa noção das possibilidades. Em um jogo é assim, mas nos mercados e na vida é muito mais complexo.

Imagine agora que o sujeito da roleta-russa faça isso consistentemente e já tenha ganhado milhões em dinheiro. Ele diz que seu sucesso se deve a um ritual secreto que faz logo antes de puxar o gatilho. Veja como ele está se iludindo, confundindo a dependência do acaso com habilidade.

Mas o ponto aqui é que os projetos que decidimos tocar podem ser uma espécie de roleta-russa, em que o resultado é altamente dependente do acaso. Acontece que não existe um revólver nesse caso, por isso não é fácil perceber efetivamente quais são os riscos.

Obliquidade

No início do livro o autor define que obliquidade é quando não interessa o quão frequentemente você tem sucesso se o fracasso tiver um custo alto demais (desproporcional).

Por exemplo: imagine que um trader tenha sucesso em 90% dos trades, ganhando em média R$ 100,00 por trade, mas que nos 10% restantes ele perca em média R$ 10.000,00.

Uma forma de avaliarmos se essas condições são favoráveis é calculando a expectativa.

Separamos essa situação em dois eventos. No evento A, a probabilidade é 90% e o resultado é R$ 100,00. No evento B, a probabilidade é 10% e o resultado é -R$ 10.000,00.

A expectativa de um evento é a probabilidade vezes o resultado.

Então, a expectativa de A é R$ 90,00 (90% x R$ 100) e a expectativa de B é -R$ 1.000,00 (10% x -R$ 10.000). Somando as duas, temos uma expectativa total negativa de -R$ 910,00.

Isso significa que esse trader precisa mudar algo no seu operacional para sobreviver no mercado.

Logo, uma forma de usarmos a obliquidade ao nosso favor seria ter pequenas perdas frequentes e ganhos pouco frequentes, mas consideráveis.

Taleb explica que é esse tipo de negócio que ele prefere fazer no mercado, tirando proveito de eventos raros — o que o autor chama de apostas oblíquas. Ele não entra a fundo nos detalhes de operação, mas sabemos que gosta de trabalhar com opções e se considera um “caçador de crises”.

Problema do cisne negro

O problema do cisne negro ou problema da indução diz que não importa a quantidade de vezes que você observe cisnes brancos, isso não te permite chegar à conclusão que todos os cisnes são brancos. Bastaria observar um único cisne negro para desmenti-la.

Partindo desse princípio, considere o seguinte: só porque alguma coisa nunca aconteceu antes, não quer dizer que ela nunca vai acontecer.

Se a ação da empresa ABCD custa R$60,00 e historicamente nunca chegou a valer R$1,00, não significa que ela nunca desvalorizará até esse ponto um dia.

Por mais que o mercado não tenha caído, digamos, menos de 5% nos últimos meses, não quer dizer que ele não possa vir a cair 10% no dia seguinte.

Não é porque um trader acertou os últimos 50 trades que ele vai acertar o próximo.

Não é porque sua estratégia de trading funciona muito bem atualmente que ela vai ser lucrativa para sempre.

Viés do sobrevivente

O viés do sobrevivente ocorre quando damos atenção às pessoas que tiveram sucesso em alguma atividade ou processo e não temos a real noção daquelas que fracassaram.

Como os vencedores normalmente ganham evidência e os fracassados preferem se esconder devido ao seu insucesso, acabamos tendo uma percepção errada das probabilidades.

E mais: a maior visibilidade tende a ir justamente para aqueles que tiverem o melhor desempenho.

Vejamos dois exemplos.

Milionários do Bitcoin

Talvez você já tenha ouvido falar de pessoas que ficaram milionárias com Bitcoin em 2017, antes da grande queda que ocorreu no final do ano e no início de 2018.

Seriam elas gênios do timing, que souberam vender na hora certa? Ou o lucro considerável foi fruto do acaso para a maioria delas?

Histórias como a do casal que fez uma festa de casamento de R$ 750 mil foram destaque na mídia. Mas onde estavam aqueles que perderam dinheiro com Bitcoin (inclusive aqueles que foram vítimas de golpes ou esquemas de pirâmide)? Certamente foram muitos, mas praticamente não vemos essas pessoas.

Assim, podemos ter a impressão equivocada de que ficar rico com Bitcoin é mais fácil do que parece, afinal, não sabemos quantas histórias alternativas de fracassados há para cada pessoa que ficou milionária nesse mercado.

E vale lembrar que, estatisticamente, quanto maior o número de negociadores de Bitcoin, maior será a probabilidade de que um deles tenha um desempenho excepcional por influência do acaso.

Backtests

Antes de traders escolherem qual indicador ou conjunto de regras de trading vão usar para operar um determinado ativo, é comum fazerem testes em um software de backtests.

A função desse programa é determinar se uma dada estratégia tende a ser rentável ou não, de acordo com o seu desempenho com dados passados do mercado.

Taleb tem uma visão interessante do uso de um backtester. Segundo o autor, ao procurar quais regras funcionam bem em dados passados, estamos simplesmente buscando um sobrevivente.

Aliás, ele cita um trabalho dos pesquisadores Sullivan, Timmermann e White, em que eles propõem que as regras mais usadas pelos traders atualmente talvez sejam um caso de viés do sobrevivente.

Entre um número considerável de regras testadas, as que dão maior retorno ganham evidência e as ruins caem no esquecimento. Pode ser que certas estratégias não sejam tão boas assim para sinalizar operações promissoras, mas tenham boa performance por pura sorte.

Razão ou emoção

Pensar em termos de probabilidades, tentar enxergar a influência do acaso nas nossas vidas e prevenir riscos não é tarefa fácil.

Por isso, é de se esperar que as mentes mais racionais façam escolhas mais acertadas em atividades que envolvem tanta incerteza como os investimentos e o trading.

Porém, existe aqui um contraponto.

Taleb explica que o processamento das informações relacionadas a riscos no cérebro se dá principalmente na parte responsável pelas emoções. Pois é, desse jeito a razão não consegue dominar.

Uma mente totalmente racional limitaria a pessoa de agir, já que ficaria horas analisando as informações disponíveis e pensando nas consequências de suas ações. As emoções servem como uma espécie de atalho para que a gente não fique ponderando demais, não desperdice energia e tome logo uma decisão.

Aliás, essas ideias ajudam a explicar por que temos os vieses cognitivos apresentados no Rápido e Devagar do Daniel Kahneman, por quem Nassim Taleb demonstra admiração e faz referências ao longo do livro.


Enfim, apesar de não ser muito fácil de ler, Iludidos pelo Acaso tem insights pertinentes para traders e histórias de bastidores de Wall Street que o Taleb presenciou enquanto trader profissional.

É uma perspectiva filosófica sobre a atuação nos mercados e sobre outros assuntos relacionados ao acaso, cuja leitura certamente vale a pena.

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