Crash: uma breve história da economia
Em Crash: uma breve história da economia, as maiores bolhas financeiras pelas quais a humanidade já passou são o cenário para Alexandre Versignassi explicar a economia de forma descontraída e com muitas curiosidades.
Quando peguei este livro, a expectativa era encontrar uma série de descrições sobre as crises mais conhecidas da história. Acabei me surpreendendo com explicações muito agradáveis de ler sobre a origem do dinheiro, inflação, congelamento de preços, deflação, atividades dos bancos, origem e funcionamento do mercado de ações e, é claro, bolhas.
Lembrando que uma bolha acontece quando o preço de objetos ou ativos financeiros cresce de maneira tão absurda, até que uma hora praticamente não há mais ninguém interessado em comprar e essa bolha estoura. A maior parte das pessoas que tem aquele objeto ou ativo percebe que algo está errado e procura se desfazer o quanto antes. O preço acaba sofrendo uma forte queda, o que também chamamos de crash.
Escrevo esta resenha no momento em que o mundo enfrenta uma pandemia. Assistimos às bolsas caírem pelo mundo e observamos a bolsa brasileira entrar algumas vezes em circuit breaker.
Mas não é só nas bolsas que temos os crashes. Veja uma rápida lista das bolhas comentadas no livro.
Bolha das tulipas (1637)
Nas primeiras décadas do século XVII, crescia na Holanda a apreciação por tulipas. Os interessados compravam a flor até mesmo quando ela ainda era uma raiz (bulbo). Havia até contratos que davam o direito de comprar os bulbos a um determinado preço no futuro.
Em certo ponto, as pessoas estavam negociando os próprios contratos diretamente. O preço do bulbo foi crescendo, ficando cada vez mais fora da realidade, até o momento em que a farra acabou.
Não havia mais compradores dispostos a comprar bulbos por um preço ainda mais absurdo do que aquele que já estava. A confiança nos títulos foi diminuindo e a bolha estourou.
Essa foi a primeira bolha especulativa de que se tem notícia.
Bolha da Companhia dos Mares do Sul (1720)
Quando a Bolha das Tulipas aconteceu, a Holanda já tinha a sua própria bolsa de valores. Aliás, foi justamente nesse país que nasceu o primeiro mercado acionário, com o objetivo de levantar fundos para a Companhia Unida Holandesa das Índias Orientais.
A ideia era basicamente conseguir dinheiro para a construção de navios, contratação de pessoal e outros recursos para a empreitada de navegar até as Índias em busca das tão desejadas especiarias, para depois comercializá-las na Europa.
Nada muito diferente do que a gente conhece do mercado de ações hoje em dia. Vendia-se pequenas partes da empresa aos investidores e em troca eles receberiam parte dos lucros da Companhia. Eles também poderiam comprar ações para vendê-las mais tarde na expectativa de lucrar com isso.
Em 1711, o lorde do Tesouro Robert Harley e o executivo John Blunt quiseram fazer algo parecido na Inglaterra para ajudar a Coroa britânica, endividada devido a uma guerra com a Espanha. Lançaram ações da Companhia dos Mares do Sul, uma empresa voltada principalmente a negócios com as colônias espanholas na América do Sul.
A Coroa seria a controladora e o dinheiro da venda das ações seria usado para pagar os credores. Inclusive, credores poderiam receber ações gratuitamente se perdoassem a dívida.
Outro detalhe era que quem comprasse as ações ganhava o direito a um empréstimo. Em certo ponto as pessoas estavam usando o dinheiro desse empréstimo para comprar mais ações.
Blunt, que também era acionista, frequentemente comprava mais e mais ações para ajudar a inflar o preço do papel.
Tudo isso aliado a outros esquemas contribuiu para a ação alcançar preços irreais. Provavelmente os investidores perceberam que havia algo de esquisito e começaram a sair. Então, em 1720 começou uma forte pressão vendedora — as pessoas queriam se desfazer de suas ações — e a bolha estourou.
Bolha do Mississipi (1720)
A Bolha do Mississipi é atribuída principalmente ao economista escocês John Law, que adorava a ideia de que um banco central poderia emitir o quanto quisesse de dinheiro de papel, mesmo sem ouro ou prata suficiente para sustentar (lastro).
Ele conseguiu colocar isso em prática na França no início do século XVIII, graças à sua influência com o Duque de Orleans, que governava enquanto o sucessor do trono, Luís XV, ainda era menor de idade.
Law abriu o Banque Générale (que viria a se tornar o primeiro banco central da França) e estabeleceu a Companhia do Mississippi, empresa destinada a explorar uma extensa faixa de terras nos Estados Unidos que pertencia aos franceses.
Para os acionistas da Companhia, o escocês chegou a oferecer dividendos elevados, ainda que a empresa não tivesse um lucro que justificasse. Mas não era difícil para Law arranjar esses proventos, afinal, ele tinha uma “impressora de dinheiro”.
A promessa das riquezas que a Companhia do Mississippi poderia produzir e os altos dividendos atraíram mais e mais investidores. Isso inflou o preço das ações até o momento em que ficou claro que a Mississippi não dava lucro e o preço das ações desmoronou.
Mania ferroviária britânica (1845)
No início do século XIX, quando os engenheiros ingleses criavam locomotivas mais velozes (não que elas fossem muito rápidas), o transporte de passageiros entre cidades era visto como algo extraordinário.
Começaram a surgir diversas empresas com projetos de estradas de ferro e que ofertavam ações para conseguir fundos para a empreitada de construção das linhas. A euforia tomou conta desse mercado e as negociações de papéis de empresas ferroviárias não parava de crescer.
Algumas empresas lançavam ações no mercado mesmo antes de conseguir a autorização do governo para a construção de uma estrada de ferro.
Para piorar, ainda havia trapaças como a do magnata de ferrovias George Hudson. Ele emitia novas ações da sua empresa e em vez de usar o capital da venda dos papéis para desenvolver a companhia, ele pegava parte para pagar dividendos aos acionistas. Os dividendos atraíam novos investidores, aumentando a demanda e consequentemente o preço dessas ações, o que beneficiava Hudson — o maior acionista.
Como em toda situação de bolha, a euforia com as ferrovias uma hora chegou ao fim. Em 1845 as ações de companhias ferroviárias começaram a cair de preço, afastando investidores até mesmo de empresas honestas.
Grande depressão (1929)
Os Estados Unidos viviam um período de prosperidade nos anos 1920, com a ascensão de novidades como o rádio, o automóvel, o cinema e o transporte aéreo.
As empresas apresentavam ótimo crescimento, o que atraiu mais investidores para a bolsa. Acontece que em determinado ponto as altas nos preços das ações já superavam o ritmo com que as companhias cresciam.
Grandes investidores desonestos armavam esquemas de manipulação do mercado, forçando a alta dos papéis. Enquanto isso, muitos investidores inexperientes ficavam deslumbrados e acabavam comprando ações só porque o preço estava subindo.
Para completar, os bancos aceitavam ações como garantia para quem quisesse pegar um empréstimo. Então tinha gente pegando empréstimos simplesmente para comprar mais ações.
A bolha estava inflando. Diante disso tudo, o governo resolveu intervir. O Federal Reserve (Banco Central americano) aumentou os juros. Os títulos públicos ficaram mais atrativos e pegar empréstimos ficou mais caro. Era uma forma de afastar o dinheiro da bolsa.
Pois em outubro de 1929, o Índice Dow Jones entraria em uma tendência de baixa que levaria anos, sem contar que os EUA começaria a enfrentar uma crise profunda.
Bolha da internet (2000)
A bolha da internet lembra bastante o que vimos na mania ferroviária britânica. Nos anos 1990, a internet começava a se popularizar e nos EUA a euforia com ações de empresas de tecnologia como Microsoft, Yahoo! e America Online (AOL) aumentava.
Grande parte dos investidores não estava olhando para o desempenho e real potencial das companhias. Eles praticamente só queriam saber da alta das ações e se a empresa estava relacionada à internet ou tinha o “.com” no nome.
Aí as cotações começaram a atingir preços astronômicos. O valor de mercado de algumas empresas recém-criadas começava a superar o valor de mercado de gigantes tradicionais como a Procter and Gamble (P&G).
Várias empresas pontocom não tinham um modelo de negócios sólido e começaram a falir. A confiança no setor foi caindo. Os investidores começaram a se dar conta que os preços estavam super inflados e no ano 2000 bolha explodiu.
Crise do subprime (2008)
Podemos enxergar parte da crise de 2007/2008 (também chamada Crise do Subprime) como uma bolha no setor imobiliário dos Estados Unidos.
Vamos começar pelo financiamento de imóveis. Quem quisesse comprar uma casa poderia ir ao banco e financiá-la. Enquanto a pessoa paga as parcelas (com juros), o banco é o dono da casa. Se a pessoa der calote, o banco tem a casa como garantia. Se a pessoa pagar tudo certinho, ao fim das parcelas a casa é dela.
Em outras palavras, quem está pagando as parcelas do financiamento tem uma dívida com o banco. Mas o banco pode transferir essa dívida para uma outra instituição bancária, que busca lucrar com os juros e pode comprar essa dívida por um valor menor do que o banco receberia no final. O banco põe o dinheiro no bolso e a outra instituição assume o risco de a pessoa não pagar.
Então o que essa instituição bancária (que comprou a dívida do banco) pode fazer é comprar várias outras dívidas (chamamos de títulos de dívida) e juntá-las em um pacote. Depois, divide esse pacote em vários pequenos títulos e os coloca a venda para investidores interessados.
Esse pacote se chama CDO (Collateralized Debt Obligation), e nada mais é que um conjunto de títulos de dívida com garantias — nesse contexto, casas.
Até aí tudo ótimo. O preço das casas não parava de subir, o que era bom para todos nessa cadeia.
Estamos falando de uma época logo a seguir à bolha da internet, em que os investidores — internacionais, inclusive — estavam em busca de produtos financeiros com bom retorno e com risco menor que a bolsa. Isso contribuiu para o sucesso dos CDOs durante os anos 2000.
As instituições que ofereciam crédito (prestavam o serviço de financiamento de imóveis) procuravam bons pagadores, com comprovação de renda, documentos que demonstrassem capacidade de honrar a dívida etc. Mas com a demanda crescente de CDOs, começaram a liberar crédito para ainda mais gente e sem muitas restrições.
O crédito para bons pagadores era chamado de prime e para maus pagadores era conhecido como subprime. Por isso que é comum vermos a Crise de 2007/2008 com o nome de Crise do subprime.
Então, a frequência de calotes foi aumentando. As instituições responsáveis pelos CDOs tiveram que colocar casas à venda.
Com a maior oferta de casas no mercado imobiliário, elas começaram a cair de preço. Quem estava pagando o financiamento em dia viu o preço da sua casa se desvalorizar. Logo, não compensava continuar pagando um financiamento totalmente desproporcional ao preço atual da casa. Resultado: até os bons pagadores estavam interrompendo o financiamento.
O número de pessoas interessadas em crédito imobiliário diminuiu. O valor dos CDOs diminuiu, o que naturalmente afastou os investidores. As instituições bancárias estavam cheias de CDOs na mão, e não encontravam ninguém que pagasse por eles.
Acontece que essas próprias instituições tomavam empréstimos para consistentemente comprar novos títulos de dívida e emitir mais CDOs. Mas agora que os CDOs não dariam em nada, elas precisavam leiloar as casas, que por sua vez continuavam a cair de preço.
A situação ficou insustentável. Essas instituições bancárias começaram a quebrar. Uma delas foi o Lehman Brothers, cuja falência em setembro de 2008 representa um grande marco do período.
Mas esse é só um resumo de uma bolha que desencadeou uma crise complexa, que teve efeitos não só nos EUA, mas no mundo inteiro.
Bolha do Bitcoin (2017)
É fato que o Bitcoin tem um potencial revolucionário, como aliás vimos na resenha do Bitcoin: a moeda na era digital, mas também devemos admitir que a criptomoeda ainda não caiu no gosto da maioria como meio de pagamento.
Muito do interesse no Bitcoin é especulativo, de quem compra hoje com a intenção de vender mais caro no futuro.
Para se ter uma ideia, em 2017 muita gente achou que o preço do bitcoin continuaria crescendo e que era uma grande oportunidade de dinheiro fácil. Nesse ano, um bitcoin chegou a ser negociado a quase US$ 20.000,00, mas terminou 2018 cotado a cerca de US$ 4.000,00.
Que houve características de bolha, houve. Mas esse assunto é polêmico.
O que podemos afirmar é que mesmo depois disso o sistema do Bitcoin ainda recebe atualizações e a criptomoeda continua a ser a mais relevante entre tantas alternativas.
Depois de conhecer todas essas histórias, percebemos que elas têm muito em comum. E saber dessas características — novas empresas com promessas vazias, excesso de euforia, deslumbramento com alguma novidade etc. — será crucial para ficarmos longe de roubadas.
É claro que os sinais de bolha nem sempre serão claros, mas ler Crash é indicadíssimo para evitamos fazer besteiras nas operações ou investimentos e de quebra aprender muito sobre economia.
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